segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

EM CONTRALUZ, DE GRACIELA ZÁRATE



ELIPSE

Ele decidiu agachar-se
não içar mais as montanhas nem voar
a flutuar por cima de cabeças sem ser visto.
Salvar-se em paralelo, embora magoasse,
não se emprestar, não arder.

Fumigar os olhos quando choram
desprezar os abraços que riscam o horizonte,
talvez na ponta das dedas.
Prescindir da vida
como o sol no inverno.


O AVISO

Hoje vieram os corvos
grampados em pastas do julgado,
petaram na porta  da qual tenho escorregado 
por não ver como acabam com o que me fica

Um bisturi de voz
 e no rosto uma hiena 
encheram de expedientes
com números e barras
que, segundo eles, sou eu.

De repente minha cabeça foi um carrossel,
a raiva virou espuma entre meus dentes
e o mar não foi azul. Gemi ultrajada.
Um passo mais do que sozinha, não houve abraço,
não escutei uma palavra
e a música afundia.
O que é, se algo tiveste, aquilo que te' fica?

Aferrada ao meu corpo,
por diante do sol e sem o que vesto,
em contraluz do embargo, própria e blindada, vou.


CHEIRO

Quando já até a pena de ti se afastar,
quando todos te abandonem e o amor seja tristeza,
olha para o mar e a sua carícia,
acredita existires e começa de novo.
Começa tantas vezes quanto puderes parir-te,
não cesses, nem deixes os medos vencerem-te,
nem fiques onde não estás.
Apenas vales quanto sentes,
se morreres, nada cá mudará.
Mas enquanto te olhares,
enquanto não abandonares,
enquanto tu de ti gostes
valerá a pena, pelo menos, ser cheiro.

 © Texto: Graciela Zárate
© Tradução: Xavier Frias Conde

Sem comentários:

Enviar um comentário